Verdade:

"A literatura nos dá o que a vida nos nega"

domingo, 29 de novembro de 2009

TRUE COLORS

O meu pior medo estava adquirindo nuances reais: Raul estava pedindo divórcio. Ele deixaria a casa que vivera por vinte e cinco anos, lá vira os filhos crescerem, criara seus cachorros, promovera inúmeras festas, gerenciara obras e financiara modificações. Ele me dizia que chegava aos cinquenta anos cansado de desculpas e mentiras. Há muito tempo o casamento era um fardo que carregava sob o sol quente dos verões monótonos e sem assunto à beira da praia. E eu nada podia fazer para evitar. O choque da notícia tinha me deixado atônita; mesmo que sempre tivesse pressentido essa possibilidade, a notícia me tinha chegado como uma gravidez inesperada: eu devia estar feliz, mas não estava. Eu sabia que a relação se esvaía lentamente, uma mulher sempre sabe quando seu homem já não se dá o trabalho de mentir direito nem de tentar manter as aparências. O retorno de Raul para sua casa à noite era sempre dolorido, tingido pela decepção de não ter coragem de abandonar aquele cenário preto e branco.
Mas como, como alguém decide que é a hora certa de partir depois de tê-la postergado por mais de dez anos? O que estava acontecendo com Raul que nem eu mesma era capaz de ter antecipado? Seria o aniversário comemorado sem os filhos? Teria sido minha ausência na última viagem de negócios?
Depois de todos esses anos juntos, eu merecia ter espaço pra decidir como essa nova configuração se projetaria. Sim, eu queria ter escolha, afinal não tinha sido consultada sobre assumir esse homem agora como meu marido, namorado ou o que quer que passássemos a ser.
Eu tinha sido o pôquer com os amigos nas quartas à noite, a bocha com os colegas de trabalho, as reuniões infindáveis após o expediente. Eu era a chave extra no molho e os silêncios nefastos depois do sexo com a mulher. Eu tinha milhares de lugares, eu tinha também uma vida cheia de espaços para mim, já que as obrigações sociais com a família não me cabiam. Nunca deixei que Raul me fizesse de ouvinte incondicional de seus problemas conjugais ou de seus questionamentos como pai. Enquanto estávamos juntos, éramos livres das rotinas óbvias de um casal convencional. De que adiantava ser a amante se me colocasse nesse lugar de quem está sempre esperando uma brecha para tomar a posição da esposa? Não seria eu o contraponto da relação dos dois.
Era perfeitamente possível ser eu o tempo todo nessa relação, não queria ser a esposa de ninguém, a madastra dos filhos dele, não queria ajudá-lo a cuidar da mãe doente nem organizar sua vida prática durante a semana. Eu queria vê-lo de vez em quando, dar uma escapada num feriado inventado e, principalmente, não ter a vida a dois como prioridade.
Adoro minha vida como ela é, sou livre e me sinto assim. Gosto de viajar com as minhas amigas quando bem entendo, tenho dinheiro suficiente para não precisar de alguém pra dividir as contas, escolho sozinha a decoração do apartamento que eu mesma comprei, consigo manter hobbies no horário que é melhor pra mim, vou dormir a hora que desejo e acordo quando me apraz, pois só trabalho à tarde. Filhos simplesmente não cabem em minha vida, nem os emprestados. Ficar sozinha é um hábito saudável que eu cultivo, uma necessidade básica.
Onde eu equacionaria Raul como uma constante na minha vida? O divórcio dele é meu pior pesadelo. Não o quero morando comigo, nem de passagem. Amanhã, quando me ligar novamente, serei franca: ou arranja outra esposa ou fica solteiro e sozinho. Casamento, minha religião não permite.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

friends II

Esses meus amigos... um dia vão fazer eu acreditar mesmo!
Obrigada pelo incentivo!
Continuarei escrevendo against all odds.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

friends

Hoje, recebi mensagens cheias de carinho a respeito desse blog recém inaugurado e estou renovada.
Débora, Karina e Milene, thank you sooo much!!

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O que eu não sei


Vou escrever bem devagar para que Ana Laura entenda, se enfureça e me esqueça. Vou expor minhas teorias e dispor de exemplos bem claros para que aceite: Não Vou Mais Voltar. Explico. Estou saindo de casa, da dela; retirei meu quadro do Miró da frente da chave de luz e minha poltrona do hall de entrada. Recolhi as roupas do varal e dobrei os lençóis (lembrei de guardar os prendedores na gaveta do armário do banheiro), fiz pouco do que me cabia ao chegar em casa, mas, ainda assim, seria a última vez. Coloquei em duas sacolas meus sapatos e roupas. Na mochila, pus meus livros e minha necessaire. Deixei o resto, fosse o que fosse ficaria onde estava.
Resolvi desenhar bem essas letras no papel para poupá-la de ir até a polícia ou ligar pros meus colegas de trabalho. Ela faria, eu sei, de má vontade, sem preocupação, só de raiva. Afinal, eu não chegara no horário, não fechara bem as persianas, não dera duas voltas na chave ao trancar a porta de casa nem pedira uma nova bambona de água. No outro dia, ela sairia cedo e o lixo não estaria separado em três sacolas nem a louça do café lavada. Eu sei. E, provavelmente, essa carta estaria cheia de erros ; afinal, eu ainda não havia me interessado pelo acordo ortográfico nem aprendido a antiga regra do hífen. Vou escrever mesmo assim e dizer que voltei mais cedo pra casa hoje sem vontade de cumprimentar a síndica ou levar o cachorro pra passear. Deixei o jornal e as contas que chegaram na mesa da cozinha. Entendi que realmente não sei viver sem as diretrizes dela, mas, de qualquer forma, vou tentar não morrer de alguma doença ocasionada pela falta de higiene ou por outra negligência dessas. Acho que alguma coisa eu aprendi.
Veja bem, eu sei fritar pastéis sem engordurar o fogão, sei escolher o itinerário com menos sinaleiras até os restaurantes mais limpos da cidade, sei de cor a programação dos canais de decoração e saúde da TV a cabo, sei controlar as contas a pagar e evitar os piores horários nos bancos, sei esperar horas para cancelar uma linha de telefone, sei que as meias têm que ser da mesma cor dos sapatos, sei tomar banho em 4 minutos no inverno, sei o horário que o pão sai quentinho na padaria, sei até o quanto vai ser difícil explicar como uma mulher como você é deixada.
Só não sei o primordial: dizer o que penso.
Vou lá recolher a roupa de cama que deixei em cima da máquina de lavar, separar o lixo, dar um jeito na louça, e colocar no lugar a poltrona do hall. Vou retornar algumas ligações de parentes e depois desço com o cachorro. Aproveito já a primeira linha do meu texto, Ana, para avisar que volto em vinte minutos com o pão. É só ligar a cafeteira.
Te Amo,
Vini.